IMAGEM: Reprodução Documentário Paulo Bonavides (1925-2020) |
Iniciemos os estudos sobre o renomado jurista paraibano com o coração cearense em sua Magnum Opus “Curso de Direito Constitucional”, sendo um dos baluartes no estudo do Constitucionalismo no Brasil.
CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES
Importante elencar o conceito de José Gomes Canotilho sobre
Constituição: “A Constituição é o Estatuto jurídico do político” (CANOTILHO, 1993,
p. 20). O primeiro ponto a ser considerado será a classificação das
Constituições:
FORMAL: O texto descrito na Constituição consagrado pelo
Poder Constituinte é norma cogente dotada de supremacia, ou seja, superior
hierarquia diante das demais normas, não importando sua matéria (conteúdo). Um
exemplo que pode ser colocado como um formalismo na Constituição é o disposto
no art. 173, § 5º, da CF/1988: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade
individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade
desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos
praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.
MATERIAL: Classificação defendida por Bonavides. Como um
crítico ao formalismo, defende como a Constituição o conjunto de normas
pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício
da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto
individuais como sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à
composição e ao funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da
Constituição. Para entender o que seria “matéria constitucional” neste rol
exemplificativo de Bonavides, faz-se importante mencionar que são os conteúdos
relacionados à Limitação do Poder do Estado e à Garantia dos Direitos
Fundamentais.
→ Art. 16.º da D.U.D.H.C (1789): “A sociedade em que não
esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem
Constituição”.
ESCRITAS: Constituições positivadas em texto. Podem ser:
a) Codificadas (A CRFB/1988, com preâmbulo, parte
introdutória, parte orgânica, parte dogmática, disposições gerais, disposições
transitórias, em um só volume);
b) Legais (São espalhadas em vários diplomas, como a Constituição
Francesa de 1875).
COSTUMEIRAS: São consuetudinárias, não dotadas de texto positivado.
Podem ser:
a) Totalmente costumeiras
b) Parcialmente costumeira
O Prof. Paulo Bonavides põe como exemplo a Constituição da
Inglaterra: formada pelo direito estatutário (statute law), a parte escrita;
direito casuístico (case law), formado pelos precedentes e jurisprudências em
commom law; o costume, geralmente parlamentar (Parlamentary custom); convenções
constitucionais (constitucional conventions).
Quanto à forma de surgimento, classificam-se em:
OUTORGADAS → Aquelas que são impostas, típicas de
governos autoritários, como as Constituições Brasileiras de 1824, 1937, 1967 e
1969.
PACTUADAS → Também chamadas de dualistas, formadas por
poderes antagônicos que formam um pacto para elaborar a Constituição. Ex.:
Magna Carta de 1215, feita com o baronato inglês e o Monarca João-sem-Terra;
POPULARES → Emergidas diretamente pelo povo, ratificada por
meio de referendo, após a aprovação dos representantes eleitos em Assembleia
Constituinte, como nas Constituições PROMULGADAS (Ex.: CRFB/1988). Este modelo
é considerado um ápice democrático. Ex.: Constituição Francesa 1848 e 1875.
Também podem ser classificadas em CONCISAS e PROLIXAS. A
primeira, dotada de texto mais objetivo e sintético, focando no mais importante
acerca da Organização do Estado (Ex.: Constituição dos EUA). Enquanto a segunda
possui texto mais exaustivo, que elenca diversos temas em seu conteúdo (Ex.:
Constituição Brasileira de 1988).
SENTIDOS DE CONSTITUIÇÃO
a) Sociológico (ou Real)
Defendido por Ferdinand Lassale, que em sua obra explana que
a Constituição é apenas uma folha de papel e que a Constituição consiste nos
fatores reais de poder, que são os grupos sociais que detém a tomada de
decisões que regerão os caminhos da sociedade.
b) Político (ou Decisionista)
Formulado por Carl Schmitt, defende que a Constituição é uma
decisão política fundamental, fazendo menção ao modelo materialista.
c) Jurídico-Positivista (ou apenas Jurídico)
Este é o sentido adotado por Hans Kelsen, em que a
Constituição é a norma de cúpula que ordena, dá fundamento, validade e harmonia
a todo o sistema jurídico, sendo isenta de preocupações sociológicas ou
axiológicas. Este sentido está alinhado com o modelo do formalismo
constitucional.
d) Jurídico-Normativista
Este é defendido por Konrad Hesse, que buscou fazer um
contraponto a Lassalle e sustentou a existência de uma FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO! Não nega a existência de fatores reais de poder, mas sustenta a
possibilidade de a Constituição mudar a realidade apesar disso.
A Constituição converter-se-á em força ativas se fizerem
presentes na consciência geral — particularmente, na consciência dos principais
responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder, mas também
a vontade de Constituição.
e) Integrativa
Desenvolvido por Rudolf Smend, sustenta a Constituição como
uma ordem objetiva de valores e que a Constituição é a realidade integradora da
comunidade política, como conciliar os valores sociais do trabalho e os valores
do capital da livre iniciativa.
f) Constituição Aberta
Proposto por Peter Häberle e defendida no Brasil por Bonavides: “A construção teórica de Häberle parece desdobrar-se através de três
pontos principais: o primeiro, o alargamento do círculo de intérpretes da
Constituição; o segundo, o conceito de interpretação como processo aberto e
público e, finalmente, o terceiro, ou seja, a referência desse conceito à
Constituição mesma, como realidade constituída e ‘publicização’”. (BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 466.)
SISTEMA CONSTITUCIONAL
Abordado no cap. 3 da obra de Bonavides, traz a Ideia de
sistema com troca de informações (inputs e outputs), teoria desenvolvida
principalmente por Niklas Luhmann, que afirma que a Constituição é um
acoplamento estrutural entre o sistema social da Política e o do Direito.
Defende que os sistemas devem funcionar com seus códigos
próprios, que quanto mais desenvolvida for uma sociedade, mais dotados de autonomia
tais sistemas serão. A crítica de Bonavides à Teoria dos Sistemas de Luhmann é
que em tal concepção, há o receio sobre a possibilidade de que a Constituição
seja “devorada” pela política, ou seja, que os códigos próprios da tecnologia
jurídica fossem devastados pela lógica do jogo político.
PODER CONSTITUINTE
Paulo Bonavides expõe no Capítulo 4 a diferença entre o
Poder Constituinte e a Teoria do Poder Constituinte. Em linhas curtas, o Poder
Constituinte é toda força capaz de construir uma Constituição.
Emannuel Joseph Sieyés, na sua obra “A Constituição
Burguesa”, defende que a legitimidade do Poder Constituinte requer a inclusão
do chamado “Terceiro Estado”, que são todos os grupos excluídos do clero e da
nobreza, fundando o Poder Constituinte no Direito Natural da Nação
(indisponível, inalienável e permanente).
Tal teoria cria a base que sustenta a ideia das
Constituições Rígidas; Fundamenta o Constitucionalismo. Está para
constitucionalismo como a ideia de soberania está para o Absolutismo; Alicerça
o desenvolvimento moderno dos conceitos de POVO e NAÇÃO; além de estabelecer a
distinção entre força e força legítima. Assim, trazendo a diferença entre Poder
Constituinte e Poder Constituído.
DUDHC 1789: Art. 2.º A finalidade de toda associação política
é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses
direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão.
NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE
Jurídica ou Política? Bonavides responde: “A natureza
política soberana, inerente à essência do poder constituinte, fá-lo-ia sempre
absoluto, desatado de vínculos restritivos que não fossem os da direta e
imediata expressão de sua própria vontade, presente e atualizada, eliminatória
das alienações representativas latentes ou a termo, como aquelas acolhidas
depois no esquema jurídico do chamado poder constituinte constituído”.
Há outros doutrinadores, como o português Jorge Miranda, que
defendem a natureza mista do Poder Constituinte, em que inicialmente é político
destruindo o jurídico, porém, com o tempo, estabelece uma nova ordem jurídica, desta
forma, contendo os dois aspectos.
E sobre a titularidade? Entende-se que qualquer um pode ser
titular (um monarca, um ditador, o parlamento). Mas sobre legitimidade, a
titularidade seria do povo ou da nação. Em outras palavras, onde há
Constituição tirana ou despótica há UM Poder Constituinte, mas definitivamente
NÃO HÁ O PODER CONSTITUINTE LEGÍTIMO, nos termos de sua teoria.
Mas por que a titularidade se legitimou pelo povo e não pela
nação? Porque a nação na teoria de Seiyes refere-se a um ente abstrato formado
por pessoas com o mesmo vínculo cultural. Já o povo, na teoria de Rosseau, consiste
no grupo de indivíduos dotado de vínculo jurídico com o Estado. A importância
do povo é levantada por outros teóricos, como o já citado Peter Haberle, ao
afirmar que “o povo, nas democracias atuais, concebe-se como uma grandeza
pluralística”. Tal teoria foi adotada pela Constituição Americana, e assim, serviu
de modelo para as demais:
“Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União
mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover
a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os
nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos
esta Constituição para os Estados Unidos da América”. (Constituição dos Estados
Unidos da América - 1787).
Segundo Bonavides, o Poder Constituinte (ou Originário) pode
ser de duas espécies: histórico e revolucionário. O autor defendia que tal
Poder possui características de legitibus solutus, que é um termo medieval em
que o Príncipe tinha o poder absoluto, inclusive de dissolver a lei. Ou seja, o
Poder Constituinte estaria acima da lei, sem limites jurídicos. Também possui
natureza permanente, em que fica latente na sociedade mesmo após o advento da
Constituição.
Já o Poder Constituído, também chamado de Poder Constituinte
Derivado, é subordinado, limitado ou condicionado a regras rígidas pelo Poder
Constituinte Originário, inclusive de reformá-lo. Também se fala em Segundo Poder
Constituinte Originário, que significa exatamente a fase de latência e
permanência, “convivendo” com o Poder Constituído:
“Asseveramos que dois poderes constituintes sobrevivem à feitura de uma Constituição, mas os juristas em geral só admitem um deles e isso não é verdade. O outro poder constituinte, desconhecido ou remanescente, não se sujeita à disciplina jurídica, porquanto, como já dissemos, pertence às categorias sociais que atuam à margem do quadro normativo formal. É ele expressão da realidade e tem por isso feição originária, e de algum modo se caracteriza como o mesmo poder constituinte em estado potencial. Não é o jurista profissional, de formação positivista, que descobre a variedade do poder constituinte em tela, senão aquele que, dotado de ampla visão sociológica, vislumbra nos acórdãos das cortes constitucionais o exercício de um tal poder constituinte, anônimo, silencioso, mas sumamente eficaz. Exercita-se por múltiplas vias. [...] Manifesta-se também difusamente, fora dos tribunais, à margem do texto constitucional, com a mesma força normativa. Prende-se nesse caso a instância mais recuadas, familiaríssimas às Constituições costumeira (BONAVIDES, 2006, p. 186-187).
OBS: Este Segundo Poder Constituinte Originário também é
chamado em outras literaturas de “Poder Constituinte Difuso”. Um exemplo de sua força
está nas mutações constitucionais, por meio da motivação das Emendas.
CRISE CONSTITUCIONAL X CRISE CONSTITUINTE
“Crise constituinte é uma crise das instituições. Crise
constitucional é uma crise na Constituição. É possível por via de uma emenda à
Constituição remover uma crise constitucional, mas é por inteiro impossível,
por via de emenda ao texto constitucional, acabar com a crise constituinte. E
essa é a nossa tragédia política”. (Paulo Bonavides)
→ Crise Constituinte é UMA CRISE do Poder Constituinte, uma
crise política da sociedade, e põe em xeque a própria arquitetura
constitucional.
TEORIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Descrita no cap. 7 da obra. Do ponto de vista histórico, as
normas constitucionais nem sempre foram vistas com a mesma força jurídica.
Bonavides, então, apresenta quatro fases de manifestação dessa força normativa.
I) FASE DAS DECLARAÇÕES POLÍTICAS: É a fase inicial que
coincide com o constitucionalismo moderno. As primeiras Constituições têm
manifesto caráter político e revolucionário. São declarações antiabsolutistas.
Em razão disso, a doutrina inicialmente lhes negou caráter jurídico (não
tratavam as Constituições como normas jurídicas), apenas possuía caráter
panfletário, para anunciar o rompimento com a ordem política anterior.
II) FASE DAS CARTAS LIBERAIS: Foi a fase de início da
juridicização das Constituições. Começa a existir uma preocupação de que o
discurso constitucional saia do campo exclusivamente político, passando a se
converter em direitos efetivamente exigíveis pelos cidadãos. As Declarações de
Direitos, que antes eram documentos apartados (por exemplo: a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789) começam a ser incorporadas ao próprio
texto da Constituição. Um exemplo dado pelo autor é a Constituição Belga de 1832
como marco da migração da Constituição Política para a Constituição Jurídica.
III) FASE DA PRAGMATICIDADE: No final do século XIX e início
de século XX, por meio das primeiras consagrações de direitos sociais e as
Constituições Sociais iniciais, passam a ser enunciados vários compromissos de
transformação e melhoria da qualidade de vida da sociedade nos textos
constitucionais (como direito à educação, trabalho, saúde, segurança). Muitas
das metas assumidas pelos constituintes desse período tinham um caráter
compromissário, nascendo, daí, a noção de norma constitucional de caráter
programático.
Bonavides explicita: “A Programaticidade dissolveu o
conceito jurídico de Constituição, penosamente elaborado pelos
constitucionalistas do Estado Liberal e pelos juristas do positivismo. De sorte
que a eficácia das normas constitucionais volveu à tela do debate, numa
inquirição de profundidade jamais dantes lograda”.
Assim, a Constituição passou a depender da lei, e não a lei
da Constituição. Atualmente, no entanto, as normas programáticas não são vistas
como sendo tão inefetivas, reconhecendo-se a elas força normativa.
IV) FASE DAS NORMATIZAÇÕES: Surge no contexto do
neoconstitucionalismo e pós-positivismo. Bonavides discorre sobre:
“Atribuindo-se eficácia vinculante à norma programática, pouco importa que a
Constituição esteja ou não repleta de proposições deste teor, ou seja, de
regras relativas a futuros comportamentos estatais”.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
No cap. 8, Paulo Bonavides afirma que os princípios constitucionais
se apresentam em três fases dentro da história constitucional:
I) FASE JUSNATURALISTA: É o momento inicial do
Constitucionalismo. Destaca-se por um forte teor metafísico e abstrato na
apreciação dos princípios, bem características nas duas primeiras fases da
Constituição (declarações políticas e das cartas liberais). Nas palavras do
autor:
“A primeira – a mais antiga e tradicional – é a fase
jusnaturalista; aqui, os princípios habitam ainda esfera por inteiro abstrata e
sua normatividade, basicamente nula e duvidosa, contrataste com o
reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa de ideia que inspira os
postulados de justiça”. Neste período, os princípios praticamente não possuem
carga normativa, não sendo vistos sequer como normas, mas sim com aspecto
abstrato, com modelo axiológico (verdades universais, mas sem cientificidade),
fundados na ideia do Direito Natural.
II) FASE POSITIVISTA: Nessa fase, os princípios passam a ser
vistos como algo diretamente componente do sistema jurídico, no entanto, de
modo limitado, sendo tratados apenas como meios de integração do ordenamento,
ou seja, apenas para preencher lacunas da norma:
“A segunda fase da teorização dos princípios vem a ser a
juspositivista, com os princípios entrando já nos Códigos como fonte normativa
subsidiária ou, segundo Gordillo Cañas, como ‘válvula de segurança’ que
‘garante o reinado absoluto da lei’”. Dessa forma, os princípios não eram
vistos como fontes primárias, mas sim acessórias (supletivas, subsidiárias) do
ordenamento jurídico.
Nesta fase, os princípios eram extrajurídicos, e no Direito
Constitucional, vistos como normas programáticas. No Brasil, pode-se afirmar,
inclusive, que foi positivada essa visão dos princípios como meios de
integração do ordenamento, conforme art. 4º da LINDB: “Art. 4º Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito”.
III) FASE PÓS-POSITIVISTA: Consiste na normatividade tardia
dos Princípios. Incialmente, veja-se trecho de Paulo Bonavides:
“A terceira fase, enfim, é a do pós-positivismo, que
corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas deste
século. As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos
princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o
edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”.
Nota-se assim que esta é a fase atual, partindo das
compreensões pós-Dworkin/Alexy e da ressignificação do conceito de norma. Na
fase pós-positivista, os princípios possuem como caraterísticas: reconhecida
carga elevada de normatividade; alta carga axiológica; vistos como mandamentos
de otimização; multifuncionais (passam a exercer diversas funções diferentes).
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Este é abordado no cap. 12 da obra. O princípio da
proporcionalidade propõe-se a encontrar a melhor solução para um determinado
conflito de direitos (antinomia), o que pretende alcançar, seguindo uma lógica
de aplicação do direito em questão com base em seus três subprincípios. Na lição
de Paulo Bonavides, a proporcionalidade possui três subprincípios:
a) Adequação: O meio deve ser adequado e apto para atingir a
finalidade;
b) Necessidade: Dentre os meios adequados, deve-se optar pelo
meio menos restritivo de direitos fundamentais.
OBS: George Marmelstein teoriza que a necessidade não pode
ser excessiva ou insuficiente, usando o termo germânico “Ubermassverbot”, que traz
sentido como “proibido ir além”. Que na proporcionalidade, está embutida a
ideia de vedação ao excesso, no jargão “dos males, o menor”. Também se usa
outro termo alemão “Untermassverbot” ou “proibido ir abaixo”. A vedação de
insuficiência decorre diretamente do dever de proteção e de promoção já
mencionados, de modo que o poder público deve adotar medidas suficientes para
impedir ou para reprimir as violações aos direitos fundamentais.
c) Proporcionalidade em sentido estrito: É preciso se
preferir o meio que some maior número de vantagens e tenha o menor número de
desvantagens. É um princípio de contabilização de custos e benefícios.
Marmelstein reflete sobre a adoção da medida sacrificar mais direitos
fundamentais do que preservar, se traz mais vantagens ou desvantagens, em uma
análise de custo-benefício.
INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
Teorizada no cap. 13 do livro, discorre sobre os métodos
clássicos: lógico; histórico-sociológico; voluntarista de Kelsen; Subjetivistas
e Objetivistas; Teoria dos Poderes Implícitos. Bonavides tece elogios à teoria
da moldura de Kelsen, em que a norma constitucional seria uma moldura para reter
dentro dela diversas soluções para os conflitos, sendo polissêmica. A solução
ideal consiste em um ato de vontade do intérprete, segundo o jurista austríaco.
O debate entre Subjetivistas e Objetivistas existente na
Hermenêutica Clássica consiste na questão se o intérprete deve estar envolvido ou
isento no problema constitucional. Se ele permite que suas pré-compreensões
dialoguem com o caso concreto ou se mantém distante, buscando efetivar a
vontade da lei sem deixar que suas próprias opiniões contaminem a
interpretação. Já os subjetivistas defendem a mens legis. Esta dicotomia é
duramente criticada por juristas como Lênio Streck.
Também é trabalhada a Teoria dos Poderes Implícitos, advinda
dos EUA, que determina que se a Constituição lhe deu o poder, também deu os
meios de executar, mesmo que implicitamente. No Brasil, pode-se exemplificar o
poder do Ministério Público de investigação por já ter o poder de propor a ação
penal.
NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL
Exposta no cap. 14 da obra, traz a ideia de que o Direito
Constitucional Contemporâneo, dada suas particularidades, precisa de uma
hermenêutica própria, focada na elevada natureza política das normas
constitucionais e no seu caráter principiológico, partindo do pressuposto de
que há um cenário normativo diferenciado para o texto da Constituição. Métodos
de interpretação desenvolvidos pela dogmática constitucional elencados por
Bonavides:
a) Método Tópico-Problemático:
→ A tópica, desenvolvida por Theodor Viehweg, consiste em
uma técnica de investigação de premissas, uma teoria da natureza de tais
premissas bem como de seu emprego na fundamentação do Direito, além de ser uma
teoria de argumentação jurídica focada em resolver os problemas jurídicos
partindo do caso concreto, com o objetivo de criar "compreensões
prévias" (Vorverstândnis) para solver as questões jurídicas
controvertidas.
A tópica contrapõe-se assim ao positivismo purista que parte
de uma lógica dedutivista e abstrata que parte de uma vã ilusão de que por meio
de pensamentos abstratos e dedutivos poder-se-ia criar soluções a priori para
quaisquer problemas jurídicos, alinhada com a teoria material da Constituição.
Bonavides faz críticas ao método tópico-problemática devido à
situação de a tópica gera uma série de preocupações metodológicas para o
intérprete, por parecer não traçar limites à criatividade de interpretar,
partindo do “problema”, abrindo margem para o voluntarismo ou arbitrarismo.
b) Método Científico-Espiritual:
→ Rudolf Smend parte do pressuposto de ser a Constituição um ordenamento
em cujo seio transcorre a realidade vivencial do Estado, o seu processo de
integração, compondo um conjunto de distintos fatores integrativos e com
distintos graus de legitimidade. Nesse sentido, esses fatores integrativos
encontram ênfase, mormente, nos valores da sociedade presentes na Constituição,
que seria um condensador destes valores sociais, reconhecendo-os como
igualmente relevantes de forma normativa.
Assim pode-se dizer que para Smend a Constituição é
verdadeiro sistema de todos os valores primários e superiores do ordenamento
estatal, enfim, a totalidade espiritual de que tudo mais deriva, sobretudo sua
força integrativa. Tal método mostra-se como uma patente crítica ao pensamento
positivista anterior que era asséptico a valores, preocupações sociológicas ou
filosóficas. Segundo Bonavides, esse novo meio de interpretação amolda assim a
Constituição às realidades sociais mais vivas, emanando, daí, uma teoria material
viva da Constituição. E que a interpretação formalista costumava ignorar os
fatores metajurídicos.
Juristas, como Jürgen Harbemas, criticavam a metodologia da
“jurisprudência dos valores”, que abriria margem para que o intérprete subjugasse
a sociedade por valores que não seria os sociais e sim seus próprios valores.
c) Método Hermenêutico-Concretizador:
→ Desenvolvido por Konrad Hesse, tal método já surge da “virada
linguística” da Hermenêutica e afirma que o intérprete compreende a partir sua
existência histórica, logo, é determinado por seus pré-conceitos e pré-juízos,
devendo torna-lo conscientes e fundamentá-las no processo decisório. Sustenta
que as soluções devem ser buscadas a partir de casos concretos (inspiração da
tópica). Assim, a norma é construída por um “ir e vir dialético” (círculo
hermenêutico) para cada caso, não sendo apenas um dado.
Círculo Hermenêutico. FONTE: Prof. Paulo Monteiro |
Com este método, o intérprete se envolverá no caso concreto com suas convicções, analisará o contexto histórico da norma o que limitará a sua vontade, para assim decidir qual norma será aplicada para resolver o problema constitucional que estará em debate.
d) Método Normativo Estruturante:
→ Fundamentado por Friedrich Müller, o método estruturante
acredita que a concretização de uma norma transcende a interpretação do texto.
Segundo o constitucionalista de Heidelberg, a concretização da norma é um
processo estruturado, a fim de que assim se possa determinar a verdadeira
estrutura das normas jurídicas. Toda concretização constitucional, nesse
sentido, é aperfeiçoadora e criativa, destruindo o velho dogma da vontade
subjetiva do legislador.
A teoria estruturante afirma que a norma só está completa
quando de sua concretização pelo intérprete e não com a sua mera publicação no
diário oficial. Ou seja, Müller propõe uma dicotomia em que o aplicador deverá
extrair o “programa normativo” do texto, quer seria o fim que esta busca
atingir, então, analisando em cotejo com o “âmbito material”, que seria o
segmento da realidade a que a norma busca regular, chegando-se à norma de
decisão com o “âmbito normativo”.
Nas palavras de Bonavides: “Partindo da assertiva de que o
texto não é a lei, mas tão-somente a forma da lei, Müller formula uma teoria
estruturalista em que a normatividade da prescrição jurídica se fundamenta
através do âmbito da norma. Por sua vez, o âmbito normativo é tirado do
conteúdo fático geral da esfera regulativa da prescrição. O texto funciona como
diretiva e limite da concretização possível. [...] É mais apropriado falar-se
de concretização de normas e não de interpretação ou exegese”.
e) Método da Sociedade Aberta:
→ Ninguém detém o Monopólio da interpretação da Constituição. Não
é o fato de o Judiciário (e, em especial, o Tribunal Constitucional) ter a prerrogativa
de dar a “última palavra” sobre “o que é a Constituição” que faz dele seu único
intérprete.
Hoje em dia, prevalece a compreensão de que, na sociedade
democrática contemporânea, todo aquele que vive a Constituição é seu potencial intérprete.
É o que é defendido na compreensão da Sociedade Aberta de Intérpretes da
Constituição de Peter Häberle.
Estabelece a ideia de participação pública nos processos de
matriz constitucional, estimulando a participação de órgãos ou entidades, originalmente
estranhos ao processo. A ideia motriz é: todo aquele que vive a Constituição
tem o papel de interpretá-la. Exemplos que podem ser dados são as consultas
públicas, as audiências públicas sobre determinado tema, e a existência do
amicus curiae. Häberle explica.
“A relevância dessa concepção e da correspondente atuação do indivíduo ou de grupos, mas também a dos órgãos estatais configuram uma excelente e produtiva forma de vinculação da interpretação constitucional em sentido lato ou em sentido estrito. Tal concepção converte-se em um ‘elemento objetivo dos direitos fundamentais’. Assume idêntico relevo o papel cointerpretativo do técnico ou expert no âmbito do processo legislativo ou judicial. Essa complexa participação do intérprete em sentido lato e em sentido estrito realiza-se não apenas onde ele já está institucionalizado, como nos Tribunais do Trabalho, por parte do empregador e do empregado. Experts e ‘pessoas interessadas’ da sociedade pluralista também se convertem em intérpretes do direito estatal. Isto significa que não apenas o processo de formação, mas também o desenvolvimento posterior, revela-se pluralista: a teoria da ciência, da democracia, uma teoria da Constituição e da hermenêutica propiciam aqui uma mediação específica entre Estado e sociedade”. (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional, 2007, 17-18).
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
Tema trabalhado no Capítulo 15 da obra, as garantias são
espécies de direitos fundamentais. A garantia existe não como um fim em si
mesmo, mas para proteger outros direitos fundamentais. De acordo com o Jorge
Miranda, as garantias são direitos em estado de defesa, ou seja, são direitos
fundamentais que existem com características próprias para defender outros
direitos fundamentais que conferem prerrogativas aos seres humanos, como por
exemplo o Habeas Corpus, que garante o direito fundamental da liberdade de ir e
vir.
Seguindo a doutrina alemã, o professor Bonavides divide as
garantias em dois grupos:
a) Garantias dos institutos: protegem certos conceitos, bens
e preceitos jurídicos fundamentais, em especial, relacionados a aspectos da
vida privada, tais como a família, casamento, a propriedade, a herança, etc.
Não são consideradas necessariamente garantias fundamentais.
b) Garantias institucionais: são garantias fundamentais que
asseguram a existência de instituições públicas relevantes para a sociedade,
tais como a autonomia universitária, autonomia do Ministério Público e da
Defensoria Pública, a liberdade de informação jornalística, etc.
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais e suas gerações são trabalhados nos
capítulos 16 e 17. Inclusive, Bonavides critica o termo “geração”, por trazer a
ideia de que uma substitui a outra, quando que na verdade, elas conviverem entre
si sem a ideia de superação, logo, o termo mais adequado seria “dimensão”.
Seria uma classificação da positivação dos direitos
fundamentais ao longo da história, que em suas primeiras dimensões, adotam os
lemas da Revolução Francesa, teoria difundida por Karel Vasak, e acolhida por
Bonavides. São elas:
a) 1ª GERAÇÃO: Liberdade - Direitos individuais, civis e
políticos →
Surge com as Revoluções Burguesas (ou Liberais), com o foco do direito à vida e
de ser livre, de votar e ser votado, em que há predominância do Direito
Negativo, em que o Estado se abstém por regra.
b) 2ª GERAÇÃO: Igualdade - Direitos econômicos, sociais e
culturais, como direito ao trabalho, à saúde, à educação, à moradia, etc. → Surge
com a Constituição Social, em que ocorre maior força do Direito
Positivo, com mais atuação do Estado. Adveio com a Constituição do México
(1917), Constituição de Weimar – Alemanha (1919), e no Brasil com as
Constituições de 1934 e 1937.
c) 3ª GERAÇÃO: Fraternidade ou Solidariedade - Direitos ao
meio Ambiente, à paz, à autodeterminação dos povos →
Surgiram após a Segunda Guerra Mundial, e isso enfatizou a
potencialidade dos povos em exterminarem uns aos outros, e com isso, promover a
ideia de fraternidade mundial, o chamado Direito Difuso, com coparticipação
entre Estado e cidadãos, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
d) 4ª GERAÇÃO: Globalização Política - (Paulo Bonavides) - Direito
à democracia, à informação e ao pluralismo → Com a queda do muro de Berlim
em 1989 e fim dos regimes ditatoriais socialistas e unipartidários, adveio a
globalização capitalista em todo o mundo assim como a democracia direta com
pluralismo político.
e) 5ª GERAÇÃO: Paz → Bonavides coloca o direito à paz
mundial como uma quinta dimensão dos direitos fundamentais, devido à
continuidade dos conflitos armados ao longo da história e em escala global.
ESQUEMATIZANDO:
Teoria das cinco dimensões dos direitos fundamentais, de Paulo Bonavides. |
INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Estudada no capítulo 18 do livro, Bonavides elenca a teoria
fundamentalista dos direitos fundamentais, inspirada no estudo de Ernst-Wolfgang
Böckenförde:
a) Liberal: Segue os postulados clássicos do Estado Liberal.
Entende que os direitos fundamentais buscam a limitação do poder do Estado e a
valorização da liberdade individual em sentido negativo, ou seja, vê a
liberdade como ausência de impedimentos impostos pelo poder público.
b) Social: É uma reação à teoria liberal com base no
princípio da solidariedade, compreende os direitos fundamentais como meios de
desenvolvimento econômico dos indivíduos, permitindo que seus titulares tomem
parte dos bens produzidos pela sociedade, gerando uma mobilidade social.
c) Institucional: É também uma reação à teoria liberal, e é
fundamentada por Carl Schmitt. Para a teoria institucional, os direitos
fundamentais são concebidos, para além da dimensão individual-subjetiva,
tratando-se de verdadeiros institutos constitucionais de defesa da própria
ordem jurídica.
d) Axiológica: Os direitos fundamentais são vistos como
valores juridicamente protegidos. A teoria ganha força após a Segunda Guerra
como reação ao positivismo, dando proteção aos valores como forma de garantir o
pluralismo. Com base em Smend, os direitos fundamentais são vistos como o
resultado de opções axiológicas de uma comunidade e, por essa razão, constituem
uma ordem de valores objetivada na Constituição.
e) Democrática-Funcional: destaca os direitos como canais
comunicativos, ou meios de participação da formação pública da opinião e da
vontade, de modo que se confere cargas argumentativas a eles no processo democrático.
São considerados funcionais, na medida em que são tidos como meios de garantia
para o desenvolvimento do princípio democrático. Jurgen Harbemas é a grande referência
desta teoria.
Busca compreender os direitos fundamentais a partir da
função pública e política. Seu caráter democrático nasce com a consagração de
direitos voltados a um livre processo de produção democrática e de formação da
vontade política. Já seu caráter funcional cresce na medida em que se utiliza
da liberdade como meio de possibilitar e proteger referido processo.
Ou seja, estes direitos funcionam como propulsor dos debates
públicos dos diferentes atores da democracia sobre o que aquela sociedade
almeja para si.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2016.
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