Este choque de direitos fica visível na situação hipotética de um trabalhador que reside no interior do Ceará, mas que por um período estava trabalhando em uma rede de lanchonetes na capital paulista, São Paulo, mas que meses após assinar contrato e exercer seu labor na referida empresa, não recebeu suas verbas de trabalho, e sem nenhum vintém, acabou regressando para sua terra natal a fim de recomeçar a sua vida.
Entretanto, após conselhos de amigos e parentes, foi
orientado a ajuizar uma reclamação trabalhista contra a empresa que não cumpriu
para com suas obrigações, mesmo na comarca onde residia. Caso a empresa em
questão não aja com desídia e apresente exceção da incompetência territorial,
dentro do prazo de cinco dias após ser notificada, conforme o previsto no art.
800 da CLT, e o juiz analisará e o processo ficará suspenso desde então. Está
formado o conflito.
Em consoante com o que determina o art. 651, § 3º, da CLT, a
competência territorial para julgar a reclamação trabalhista será do foro da
celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços. Ou seja,
seguindo a hermenêutica gramatical da norma que rege as relações de trabalho, o
foro que deverá julgar o procedimento será o da capital do Estado de São Paulo
neste exemplo.
A problemática encontra-se em como o reclamante na sua
condição de hipossuficiência iria prosseguir com sua demanda judicial há inúmeros
quilômetros de distância.
O juiz que, ao receber a exceção de incompetência
territorial, optar pela literalidade do art. 613, estaria ferindo o Princípio
Constitucional do Acesso à Justiça, que é positivado na Carta Magna em seu art.
5º, inciso XXXV, CF, que incube ao Estado o dever de garantir a tutela jurisdicional
ao cidadão. No mesmo caso em tela, verifica-se a antinomia entre os princípios
da Especificidade e o da Dignidade da Pessoa Humana.
Tal imposição implicaria em um ônus demasiadamente penoso
para o pólo vulnerável da disputa processual, o que vai diretamente contra a
própria paridade das armas. Discussão que tem sido travado por juristas Brasil
afora. Sobre o juiz que recebeu o protocolo se tornar ou não o juiz prevento
por ter incompetência relativa, não absoluta.
Existe um entendimento de que o disposto no art. 651 assim
como em seus parágrafos sofra uma flexibilização nos casos em que a competência
territorial definida prejudique o acesso à justiça. Corrente esta que já está
ganhando força nos julgamentos das instâncias superiores da Justiça do
Trabalho, como se fez observado no informativo 185 do TST.
O Tribunal Superior do Trabalho, através da Seção
Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I) afirmou a possibilidade de
reconhecer a competência do foro do domicílio da parte reclamante quando a
competência referente ao local do contrato de trabalho ou da prestação do
serviço oferecer óbice ao direito de ação.
Este entendimento fora concluído em caso semelhante ao
exemplificado neste trabalho. A reclamante prestou serviços em Altamira, no
Pará, e após a dispensa, mudou-se para Uberlândia, onde ajuizou a ação. Vale
lembrar que a reclamada havia findado suas atividades na cidade paraense,
mantendo apenas no Rio de Janeiro.
Postos os fatos, os Ministros da Seção concluíram que o art.
651 da CLT não deveria ser interpretado de forma literal, e sim com a
hermenêutica lógico-sistemática, entrando em harmonia com os princípios
constitucionais, como no caso, o do direito de acesso à justiça. Assim, podendo
em alguns casos, prevalecer o domicílio do trabalhador.
Quanto ao aspecto doutrinário, observa-se a Teoria do
Conglobamento Puro, adotada pelo jurista e ministro Maurício Godinho Delgado,
que disciplina que, ao analisar o conjunto de diplomas jurídicos em conflito,
aplicar-se-á aquele que for mais favorável. A título de conclusão, tal
entendimento é favorável ao equilíbrio entre as partes, visa a proteção da
situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência do trabalho, e por fim, consagrando
a Lei Maior no sublime Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, onde é dever do
Estado dar as melhores condições para que se possa lutar pelo próprio direito.
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