A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
julgamento do REsp nº 1899342, decidiu que, para a concessão do benefício de
justiça gratuita ao Microempreendedor Individual (MEI) e ao Empresário
Individual (EI), basta a declaração de insuficiência financeira, ficando reservada
à parte contrária a possibilidade de impugnar o deferimento da benesse.
Por unanimidade, o colegiado considerou que a caracterização
do MEI e do EI como pessoas jurídicas deve ser relativizada, pois não constam
no rol do artigo 44 do Código Civil. Com esse entendimento, os ministros negaram provimento ao
recurso especial em que uma transportadora, ré em ação de cobrança, impugnou a
gratuidade concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aos autores,
dois empresários individuais.
O juiz de primeiro grau havia indeferido a gratuidade,
considerando que os autores deveriam comprovar a necessidade, porque seriam
pessoas jurídicas. A corte paulista, ao contrário, entendeu que a empresa
individual e a pessoa física se confundem para tal fim.
MEI E EI NÃO TÊM REGISTRO DE ATO CONSTITUTIVO
Ao STJ, a transportadora alegou que a presunção de
veracidade da declaração de insuficiência financeira, estabelecida no artigo
99, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil, não se aplica ao
microempreendedor e ao empresário individuais porque não seriam equiparáveis à
pessoa física para fins de incidência da benesse judiciária.
Relator do caso, o ministro Marco Buzzi explicou que o MEI e
o EI são pessoas físicas que exercem atividade empresária em nome próprio,
respondendo com seu patrimônio pessoal pelos riscos do negócio, de modo que não
há distinção entre a pessoa natural e a personalidade da empresa – criada
apenas para fins específicos, como tributários e previdenciários.
Segundo o magistrado, além de não constarem do rol de
pessoas jurídicas do artigo 44 do Código Civil, essas entidades não têm
registro de ato constitutivo, que corresponde ao início da existência legal das
pessoas jurídicas de direito privado, conforme o artigo 45 do código.
O ministro observou que a constituição de MEI ou EI é
simples e singular, menos burocrática, não havendo propriamente a constituição
de pessoa jurídica, senão por mera ficção jurídica ante a atribuição de CNPJ e
a inscrição nos órgãos competentes – o que não se confunde com o registro de
ato constitutivo. "Portanto, para a finalidade precípua da concessão da
benesse da gratuidade judiciária, a caracterização como pessoa jurídica deve
ser relativizada", apontou.
ATRIBUIÇÃO DE CNPJ NÃO TRANSFORMA PESSOAS NATURAIS EM
JURÍDICAS
Marco Buzzi comentou que, para determinados fins, pode haver
equiparação do MEI e do EI com a pessoa jurídica, de forma fictícia, a fim de
estabelecer uma mínima distinção entre as atividades empresariais e os atos não
empresariais.
Porém, afirmou, para o efeito de concessão da gratuidade de
justiça, a simples atribuição de CNPJ ou a inscrição em órgãos estaduais e
municipais não transforma as pessoas naturais que estão por trás dessas
categorias em pessoas jurídicas propriamente ditas. Entendê-las, no caso, como
efetivas pessoas físicas ou naturais é imprescindível em respeito "aos
preceitos e princípios gerais, e mesmo constitucionais, de mais amplo acesso à
Justiça, e ainda ao princípio da igualdade em todas as suas formas" –
concluiu o ministro ao manter o acórdão recorrido.
EMENTA PARA CITAÇÃO EM SUAS PETIÇÕES:
RECURSO ESPECIAL - PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA FORMULADO NO
CURSO DO PROCESSO - EMPRESÁRIO INDIVIDUAL - TRIBUNAL A QUO QUE REFORMOU A
DECISÃO DE ORIGEM PARA DEFERIR AOS AUTORES O PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA.
INSURGÊNCIA DO RÉU Hipótese: Controvérsia envolvendo a necessidade de
comprovação da hipossuficiência financeira, pelo microempreendedor individual -
MEI e empresário individual, para a concessão do benefício da gratuidade de
justiça. 1. O empresário individual e o microempreendedor individual são pessoas
físicas que exercem atividade empresária em nome próprio, respondendo com seu
patrimônio pessoal pelos riscos do negócio, não sendo possível distinguir entre
a personalidade da pessoa natural e da empresa. Precedentes 2. O
microempreendedor individual e o empresário individual não se caracterizam como
pessoas jurídicas de direito privado propriamente ditas ante a falta de
enquadramento no rol estabelecido no artigo 44 do Código Civil, notadamente por
não terem eventual ato constitutivo da empresa registrado, consoante prevê o
artigo 45 do Código Civil, para o qual "começa a existência legal das
pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no
respectivo registro". Portanto, para a finalidade precípua da concessão da
benesse da gratuidade judiciária a caracterização como pessoa jurídica deve ser
relativizada. 3. Para específicos e determinados fins, pode haver a equiparação
de microempreendedores individuais e empresários individuais como pessoa
jurídica, ocorrendo mera ficção jurídica para tentar estabelecer uma mínima
distinção entre as atividades empresariais exercidas e os atos não empresariais
realizados, porém, para o efeito da concessão da gratuidade de justiça, a
simples atribuição de CNPJ ou inscrição em órgãos estaduais e municipais não
transforma as pessoas físicas/naturais que estão por trás dessas categorias em
sociedades, tampouco em pessoas jurídicas propriamente ditas. 4. Assim, para a
concessão do benefício da gratuidade de Justiça aos microeempreendedores individuais
e empresários individuais, em princípio, basta a mera afirmação de penúria
financeira, ficando salvaguardada à parte adversa a possibilidade de impugnar o
deferimento da benesse, bem como ao magistrado, para formar sua convicção,
solicitar a apresentação de documentos que considere necessários, notadamente
quando o pleito é realizado quando já no curso do procedimento judicial. 5.
Recurso especial desprovido.
(STJ - REsp: 1899342 SP 2019/0328975-4, Relator: Ministro
MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 26/04/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 29/04/2022)